Lei Pepe Sánchez: 8 anos de um direito conquistado que transformou a vida dos criadores audiovisuais na Colômbia
- AVACI
- 9 de jun.
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Em 9 de junho de 2017, o Congresso da República da Colômbia sancionou uma lei que mudaria para sempre o destino dos criadores audiovisuais do país. A Lei 1835, batizada desde sua origem como Lei Pepe Sánchez, em homenagem ao lendário diretor, roteirista e ator colombiano, finalmente reconheceu um direito fundamental: o de receber uma remuneração equitativa pela comunicação pública de suas obras.
Até então, diretores e roteiristas colombianos — ao contrário de seus colegas na Europa — não recebiam um único peso quando suas obras eram exibidas na televisão, projetadas no cinema ou disponibilizadas em plataformas digitais. Seu trabalho era invisibilizado na cadeia de valor, mesmo sendo o motor artístico e criativo da indústria.
A Lei Pepe Sánchez corrigiu essa injustiça histórica.
O direito de ser reconhecido (e remunerado)
A lei garante aos autores do audiovisual — especificamente diretores e roteiristas — o direito de receber um pagamento quando suas obras são utilizadas publicamente com fins comerciais. Essa remuneração irrenunciável deve ser gerida coletivamente por entidades criadas para esse fim, como a DASC (Diretores Audiovisuais Sociedade Colombiana de Gestão) e a REDES (Rede Colombiana de Roteiristas Audiovisuais), que desde 2019 começaram a arrecadar e distribuir esses direitos.

“A lei não caiu do céu — diz Alexandra Cardona Restrepo, roteirista e presidenta da REDES —, é fruto do esforço, da solidariedade e da teimosia de um grupo de autores que não aceitou a injustiça como destino”, em diálogo com AV Creators News.
Antes da sanção, a Colômbia não podia reivindicar os direitos gerados por suas obras no exterior. Segundo a CISAC (Confederação Internacional de Sociedades de Autores e Compositores), só em 2014 o setor audiovisual arrecadou 499 milhões de euros no mundo em direitos por comunicação pública. Sem uma lei que os amparasse, os criadores colombianos ficavam de fora do sistema global de gestão coletiva.
Hoje, graças à Lei Pepe Sánchez, a Colômbia assinou acordos de reciprocidade com países que possuem legislações semelhantes: Espanha, França, Argentina, Chile, México, Itália, Bélgica, Países Baixos, Panamá e Polônia, entre outros. Isso permite que recebam pagamentos até por exibições no exterior.

A mudança em números
Desde o início do sistema, a DASC distribuiu mais de 7 bilhões de pesos colombianos em direitos a seus afiliados. “Hoje somos uma entidade bem estruturada, muito unida, que distribuiu muito dinheiro aos nossos sócios e que continua crescendo a cada ano”, contou Mario Mitrotti, diretor — falecido em maio de 2024 — e fundador da DASC, em uma de suas últimas entrevistas ao AV Creators News.
A REDES, por sua vez, ultrapassou os 500 autores afiliados e mantém um sistema de pagamentos periódicos que se tornou uma fonte de renda estável e digna para roteiristas que por muitos anos ficaram fora da repartição econômica da indústria.
A transformação do ecossistema audiovisual
Mas a lei não trouxe apenas recursos: trouxe legitimidade, visibilidade e organização. “Esta lei mudou a vida de centenas de diretores colombianos”, afirma Teresa Saldarriaga, diretora e atual presidenta da DASC. “Hoje existimos institucionalmente, temos voz perante o Estado, as plataformas e a sociedade”, destacou em sua conversa com o AV Creators News.
Esse fortalecimento institucional permitiu, entre outras coisas, a recente inauguração da Casa do Diretor, uma sede adquirida e reformada com fundos de Bem-Estar Social, que funciona como centro cultural e espaço de encontro para a comunidade audiovisual.

Ambas as organizações — DASC e REDES — promovem também programas de bem-estar, formação profissional e ações jurídicas para proteger seus afiliados diante de novos desafios, como contratos abusivos ou o uso de inteligência artificial em substituição de vozes e roteiros originais.
Uma conquista coletiva
A lei foi apresentada ao Congresso pelos legisladores Clara Rojas e Juan Manuel Galán, mas por trás dela houve um amplo movimento de criadores. Nos debates parlamentares e reuniões com autoridades estiveram presentes figuras-chave como Mario Mitrotti, Alexandra Cardona Restrepo, Teresa Saldarriaga, Sergio Cabrera (diretor), Rodrigo Triana (diretor) e o próprio Pepe Sánchez, que deixou uma mensagem audiovisual que emocionou os congressistas antes de seu falecimento.
A conquista não foi fácil. Como bem expressou Mitrotti, “fazer uma lei sendo artistas é como atravessar o deserto do Saara a pé”. Foi preciso aprender o vocabulário jurídico, mobilizar-se politicamente e gerar consensos em uma indústria fragmentada. Mas o resultado é hoje um modelo exemplar que inspira outros países da região.
Olhando para o futuro
Oito anos após sua sanção, a Lei Pepe Sánchez projeta-se como uma conquista estrutural e irreversível. Representa a plena incorporação dos criadores ao ecossistema econômico do audiovisual, mas também um ato de justiça simbólica.
“Pela primeira vez, a lei colombiana reconhece que os realizadores e roteiristas audiovisuais são autores por direito próprio, tão importantes quanto os escritores de literatura ou os músicos”, destacou na época a congressista Rojas em sua defesa parlamentar.
Em um país onde 3% do PIB corresponde às indústrias culturais, continuar fortalecendo esse tipo de marco legal é essencial para consolidar um setor que gera emprego, identidade e riqueza simbólica. E para que o talento criativo nunca mais trabalhe em silêncio nem nas sombras.
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