Yoon Jung Lee: “Sem remuneração justa, não há futuro para os criadores audiovisuais coreanos”
- AVACI
- 3 de out.
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A Coreia do Sul conquistou o mundo com suas produções audiovisuais, mas os criadores seguem sem receber uma compensação justa. A roteirista e diretora Yoon Jung Lee, presidenta do Comitê de Direitos Autorais da DGK e segunda vice-presidenta da Confederação Internacional de Autores Audiovisuais (AVACI), revela os desafios e avanços dessa luta por reconhecimento.
Por Ulises Rodríguez
“Pagamento por paixão”: o lado oculto do boom audiovisual coreano
O sucesso internacional das produções sul-coreanas é inegável. Séries como Round 6 (Squid Game), filmes como Parasita, e o crescimento imparável do K-Drama e do K-Cinema colocaram a Coreia do Sul como uma potência criativa. No entanto, segundo Yoon Jung Lee, roteirista, diretora e figura-chave na defesa dos direitos dos criadores, esse auge global esconde uma contradição dolorosa: os criadores audiovisuais não recebem uma remuneração justa por suas obras.
“Na Coreia, existe o conceito de ‘pagamento por paixão’. Acredita-se que, se alguém ama o que faz, não precisa ser justamente compensado”, explica Lee à AV Creators News. Embora as condições de trabalho da equipe técnica tenham melhorado graças às regulamentações sobre jornada de trabalho, os criadores — como diretores e roteiristas — ainda estão sujeitos a contratos sem limites de tempo ou garantias mínimas. “O resultado é uma indústria que brilha para fora, mas que deixa para trás quem a torna possível.”
Parasite / Squid Game
Yoon Jung Lee e a organização que representa estão liderando uma reforma fundamental na Lei de Direitos Autorais da Coreia do Sul. Atualmente, o Artigo 100, Parágrafo 1 da lei presume que os direitos de uso das obras audiovisuais pertencem ao produtor. Isso significa que os criadores perdem toda possibilidade de reivindicar compensação posterior pela reprodução ou exploração de suas obras.
“Queremos introduzir uma emenda que reconheça o direito inalienável dos criadores a receber uma remuneração justa pelo uso de suas obras”, afirma Lee. Embora a proposta tenha empacado na legislatura anterior, agora estão trabalhando em uma versão revisada junto a juristas especialistas para relançá-la após as eleições presidenciais de julho. “Estamos apresentando nossa proposta aos candidatos e preparando uma campanha de conscientização em larga escala.”
Contratos que silenciam direitos
Um dos maiores obstáculos para os criadores coreanos é a natureza dos contratos firmados com produtoras e plataformas. “A maioria dos contratos transfere todos os direitos de uso, inclusive os de obras derivadas”, explica Lee. A menos que o criador seja considerado produtor ou coprodutor, ele perde todo direito sobre sua obra ao assinar a cessão.
Isso se agravou com a chegada de plataformas globais à Coreia, que padronizaram contratos de compra total. “Alguns roteiristas de TV costumavam receber compensação por reprises, mas esses direitos desapareceram com as novas políticas de aquisição de conteúdo.”
Alguns executivos da indústria alegam que não é viável implementar sistemas de compensação proporcional devido à complexidade da distribuição global. Lee rebate com clareza: “Isso não é verdade. A digitalização de dados facilita o rastreamento do uso das obras. O problema real é que os criadores estão afastados do processo de distribuição e não têm acesso a essas informações.”
Segundo Lee, o que se precisa é de uma estrutura legal que garanta tanto a compensação justa quanto o acesso aos dados de distribuição. Outros países já conseguiram, e a Coreia tem a oportunidade de seguir esse exemplo.
Criatividade condicionada: o preço de depender dos investidores
No sistema atual, os criadores coreanos são remunerados no momento da assinatura do contrato, como parte do investimento inicial. Isso significa que a compensação é dada antecipadamente, sem considerar o impacto ou sucesso posterior da obra. “Em vez de premiar a qualidade ou a resposta do público, premia-se a capacidade de atrair investidores”, aponta Lee.
Esse modelo não apenas desmotiva, mas também limita a liberdade criativa. “As obras mais desafiadoras nascem do desejo genuíno do criador, não das expectativas do investidor. Se quisermos uma indústria sustentável, devemos proteger esse impulso criativo de forma estrutural.”

AVACI e a força da rede internacional
Como segunda vice-presidenta da AVACI, Lee destaca a importância da cooperação internacional. “Graças à AVACI aprendemos que é possível construir um sistema mais justo. A assembleia geral de 2022 na Coreia foi um momento-chave para nossa causa.”
A rede global de autores audiovisuais não apenas ofereceu informação valiosa, mas também apoio diplomático: “Quando o governo coreano tentou desacreditar nossa campanha, colegas de todo o mundo se comunicaram conosco e ofereceram apoio. Essa solidariedade foi decisiva.”

Yoon Jung Lee encontra inspiração em países que atravessaram crises e mesmo assim fortaleceram a posição de seus criadores. “As experiências da Argentina e da Colômbia, que enfrentaram desastres e transformações na indústria, nos mostram que um sistema de direitos pré-estabelecido pode proteger os criadores diante de qualquer contingência.”

A pandemia da COVID-19 e o auge das plataformas de streaming testaram a resiliência do setor audiovisual em todo o mundo. No entanto, na Coreia, os criadores seguem desprotegidos. “Cada vez que ocorre uma crise, perdemos talentos valiosos. Precisamos de um marco legal que evite essa perda.”
Apesar dos obstáculos no caminho, Lee afirma: “não estamos sozinhos. Essa luta não pode ser vencida em isolamento. Aprender, compartilhar o que se aprendeu e falar com coragem é suficiente. Isso é o que nos sustenta.”
A história de Yoon Jung Lee e dos criadores audiovisuais coreanos é a história de uma indústria que floresce, mas que ainda deve justiça aos seus artífices. Sua luta, enraizada na paixão mas guiada pela razão, é um chamado urgente a reconhecer que sem autores não há futuro audiovisual.
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